Personagens:
Lindalva
a dona do lupanar.
Valdeci, um travesti e bicheiro.
Léo,
barman.
Samanta e Cléo, duas prostitutas…
San Antônio,
esposo de Lindalva.
Vasco Petrus, soldado.
Pedro, jornalista.
Primeiro ato.
Dia agitado, profusão de bebida barata, só trabalhavam Samanta e Cléo, estavam com Petrus e Pedro, e riam à socapa, o lugar era lúgubre, uma luz de globo violeta em cima das mesas negras, as cadeiras de palha, o teto baixo, e o vapor que saía do café…
Lindalva andava de um lugar para o outro, controlando o pouco movimento, as meninas haviam faltado, era sete de setembro, e Vasco Petrus havia saído do desfile, em busca da orgia com a ninfa que escolhera… Conhecera o jornalista nessa noite:
“Grande
cara você é, andei lendo seus manuscritos naquele sebo… ahn, na
rua Machado, não?”
“Deixei alguns para posteriori, caro
oficial, mas não tenho muita pretensão de publicá-los…”,
respondeu, taciturno, já meio ébrio, com as mãos em cima das coxas
nuas de Cléo que ria, azeda.
“Vai derrubando seu conhaque,
que a fama é grande por aqui, meu caro…”
Todos
riram, inclusive Léo, que conversava com o travesti assuntos
pessoais… Continuou:
“Veja só, seu foquinha, disseram que
você estaria por aqui hoje…”, falou, enfático.
“Não venho muito aqui, meu caro, minhas andanças são mais de dia.” Pedro começava a ficar enojado, o capitão estava bem ébrio e começava a ficar abusado. Samanta cheirava na mesa mesmo, estava bem travada, e nada mais aparentemente importava para ela, de vez em quando o capitão lhe dava um campari, e gostava de vê-la assim contentinha, esboçando com ruídos guturais, passando a língua em seu pescoço, tocando-lhe os seios, bem no molde da posse, que ela não se importava, apenas gesticulava um pouco e fingia ter prazer com tudo…
O travesti e o barman começaram uma discussão, e San Antônio interveio, com reprimendas ameaçando demitir o barman, se continuasse com aquilo, no que o homem foi embora, com aquela roupa de mulher, gasta e puída, um tomara que caia, e sapatos de salto alto, já deslocados pelo pé disforme.
Pedro subiu com Cléo para um quarto, e ela que o convidara, para relaxarem.
Segundo ato:
Um quarto, um catre de ferro, roupa branca, um varal em uma janela, a lua, uma grade e o casal postado na entrada, inicialmente.
Pedro
fala calmamente: “você mudou bastante com essa vida, Cléo…”
“Quer
me perguntar o que, meu?” ela escarnecia dele. “São cento e
cinquenta, você só não me beija e eu não faço oral também…”
“Que houve, eu quero que você me toque, eu já acertei com a proprietária…”
“Antes”, ela disse, “preciso tomar mais um trago”.
“Nada
disso”, respondeu ele… Ela estava bem estranha… Provavelmente
havia fumado da droga. Não manifestava nem um pouco de entusiasmo
pelo “trabalho”.
“Quem te viu quem te vê, mulher, eu me
lembro de você como promoter da boite onde a coisa era diferente, e
agora neste muquifo, tendo que fumar esse K9… O travesti fornece
para todas, as meninas gostam?”
“Você,
você”, ela estava gutural, meio lesada, não discernia, Pedro
tentara ao menos…
“Eu vou lhe dar uma direção, você
aceita ou não, é este endereço, chama-se NA, dão suporte, vá a
uma reunião que lhe fará bem, mas não falte, eu posso te levar se
queiras.” Não adiantava muito, ela desabara na cama, desmaiada,
praticamente, e seus sentidos, os olhos em soslaio, com uma estranha
malícia, parecia um ser que não reconhecia mais… Pedro vestiu a
calça, voltou a si, estava mais refeito, pois ela parecia estar mais
tranquila, e não fora quiçá essa droga devastadora, quiçá apenas
o álcool e a coca, devastadores, mais nem tanto… Até que tentaria
obter prazer com essa mulher que fora sua amante em outros tempos,
mas havia virado um farrapo humano, e nada – e isso já sabia ele –
que tentasse demovê-la dessa condição renderia frutos, a não ser
que ela buscasse ajuda em um grupo, encarando seriamente sua condição
enferma.
Era
sede de algo, sede de se ver uma vivente, sede de mudar algo, nem que
fosse nos restos do que já não sabia mais, na mulher rota, lá
embaixo, socializada, uma, e agora no silêncio do quarto revelada,
relaxada a viajar solenemente pelos caminhos de uma liberdade feita a
ferro e fogo nos grilhões do nada…
"Você sabe",
ela disse, no fim, antes que ele saísse, "eu guardo boas
recordações de você e lhe considero... Guardarei esse canal de
endereço comigo e irei a essa reunião, pois é você que está me
dizendo, e me usaram muito sabes? Na realidade, meu caro, eu sou
carne de pescoço, eu queria fazer com você um amor solene, mas
estou exausta, a semana foi punk, parece que todo o pelotão passou
por aqui... Só pensei que estava servindo, meu amigo secreto, mas na
realidade vou tentar largar, pois aqui só funciona com aditivos, e
você sabe das histórias disso, se me entendes. A conversa que eu
tenho com você agora tem uma colega que você sequer trocaria uma
palavra, ela está perdida, é caso de loucura total, a gente acaba
perdendo tudo, brother. Me entenda, por favor, eu vou tentar, lhe
garanto, serei a minha palavra, em nome de um Senhor que já sei que
ainda existe, e que ainda me guia, me entendes? Tenha fé em mim,
apenas te poupo das viscosidades de outros homens que estão em mim,
e que já não sei mais quem são ou para que existem, de fato... O
que quero é uma mão amiga, e sei que posso contar com ela em você,
permanecendo mais sóbria, no meu entendimento, e procurarei um
trabalho, acertado, combinado? Diga apenas que sim, e vai-te, que não
é o lugar para homens como você, veio no sítio errado,
compreendes-me?"
"Sim, minha cara, vou-me, deixe
para gozar a vida mais tarde, estejas bem, e te espero, deixo o meu
telefone neste papel e me procures quando queiras, serás sempre a
mulher que botei minha fé, e me compadeço da tua verdade, pois
assim estava escrito para ti e para quem te vier ainda a conhecer,
obviamente em outras circunstâncias. Adeus, minha flor!"
Ela sorriu, cristalina como uma mulher mais honesta e sincera, e Pedro partiu…
Cai o pano.
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