sexta-feira, 31 de março de 2023

OS AMIGOS DE GEOVALDO


              Geovaldo vivia muito a rua, era seu lócus, onde estava como que respirando do asfalto, e os carros o fascinavam, mais como espectador, como coadjuvante e pedestre, e a natureza das coisas o fascinava, especialmente à noite, com as luzes que se mesclavam com as sombras, as cores, o negro, o prata, o branco, o vermelho, e etc, pois porventura naquele ano não se via muita alternativa de variações maiores... Quiçá a presença humana... Era assim, de observador, não atuava como tantos, em busca, pois a nada buscava, e esperava passarem as gentes e suas pequenas garrafas vazias, seus encontros, os olhares que ignorava, posto meio de presença efêmera, e passavam, muitos de preto, era a cor onde estava: a moda, em certos passares, em certas noites. Quanto às sombras apareciam elas, catando latas, por vezes, como passantes da mesma forma, em linhas alternas, e isso lhe dava acesso a que conhecesse esses homens, já os vira em outras ruas, em outras condições, e o panorama da liberdade: esse conceito tão ocidental... Bem, evitava falar sobre, ninguém entenderia porque, justamente, todos somos ocidentais onde vivêramos, assim dissera um amigo, um pobre amigo, que estava entre essas sombras, errático, fremente, querendo um corote, ao menos, que lhe desse Geovaldo um trocado a mais, que lhe desse um passaporte, esse amigo, esse que podia ingressar em um armazém, que possuía a ciência do mercado e da troca, conceito tão amplo igualmente, ocidental. Não que no Oriente não o fosse, aliás, deveria se pagar o próprio conceito, uma cadeira na escola para aprender o que significasse essa palavra que nem mesmo Geovaldo conhecia, não tão bem conscientemente, mas sabia o que era cor, o que era um pneu, um caminhante, uma roupa que das boas não acostumara tanto, mas que tanta era a dor que porventura não possuía, pois a vivência cotidiana de sofrer com o alheio lhe era sonante, era o troco que dava ao amigo, como aos outros, enquanto o que acontecia no final de semana era o esquecimento das gentes que melhor recebia, que possuía carros, os pobres que estavam no crime e podiam ao menos estar com uma roupa melhor, ou seja, essas pontas de um iceberg com várias, e que dispunham de recursos que a eles não significaria mais do que a realidade em si, e quem revela é uma autoria de alguém que porventura soubera por ver mais de longe, um Poder Superior, que a tantos usuários de álcool encontrava na sapiência de uma possível recuperação ulterior! A cor de Geovaldo era de uma tez mais escura, da brasilidade que se vê, mas destoava um pouco da morenice branca, ou do germanismo tão clássico onde residia, com casa própria de material se mantendo com um trabalho de paginador, que a ele fazia mossa... Sabia um tanto de geometria, pois a diagramação era para ele quase um recorte de áreas, um encaixe, e as escolhas tipográficas o tornavam mais afoito para embelezar as páginas de seus materiais gráficos. Trabalhava em casa e, nos intervalos, saía para a rua, estando nas tardes, preferencialmente, praticando uma caminhada, ou vendo a natureza, sua questão ao avesso das noites onde o movimento das luzes e dos lugares de entretenimento o atraíam mais, coisa recente, esse encontro com o começo das noites, pois em geral voltava mais cedo. Em uma realidade aumentada, como se colocassem uma bússola de constatações, seria um equívoco afirmar que a vida de Geovaldo não era consonante com uma harmonia, porquanto ninguém o notava, e esse era seu trunfo, a não ser no trabalho, era considerado um bom artífice, de competência irretorquível. Nada do que fizesse para um cliente passaria por crivos maiores de seu teor produtivo, posto a competência que possuía não era de ensaio, já brotava de sua experiência de mais de trinta anos, fluente, gerada por suas sábias mãos de profissional de estirpe consagrado, onde não haveria naquela região um outro que não resolvesse com sua particular maestria as equações dos brifings apresentados. Uma coisa particular sempre, ou agora já naturalmente se processava em sua existência, assombrosamente: um amigo negro que ficava em frente à sua casa e que, agora, naquela tarde deste pequeno excerto quase de confissão, lhe remetera consonantemente que lhe parecera que o negro estaria empregado por forças militares para guardar a sua casa, seu perfil, seu cabelo, suas vestes, tudo mudara, e a atitude, bem, com postura. Geovaldo chorara meio convulso por esse fato, se fora verdade, se não fora ilusão, por favor, clamara a Deus, que lhe – a ele, seu amigo – lhe tivessem dado a real oportunidade de servir e, se ele gostava de seu amigo, igualmente dando um pouco de cigarro, porventura se avizinhava mais uma primavera de que fosse possível que a cidadania ao menos alcançasse na cabeça das autoridades a possibilidade de compreender essa triste realidade, e a transmutação crística fosse possível à boa vontade dos Atos... Esse empreender da bondade, pensava Geovaldo, na latitude da ausência supracitada dos conceitos, era como que um status que revelaria a ele a esperança que possibilitaria ao menos que a luz do pensamento cristão fosse possível na Terra, nem que o fora dentro das possibilidades críveis daquele distrito tão restrito, aparentemente, de onde Geovaldo não trilhava maiores sendas, de onde o úbere não era tão farto nessa questão, quando se tornava para ele a condição dos aflitos algo que não possuiria a defesa tão importante quanto necessária. Jamais alguém lhe dissera que esse fluir de possibilidades de relações humanas lhe seriam comprometedoras, posto justamente nesse distrito ele cambiava para uma transformação íntima em seu comportar que lhe reportava ser fundamental para o bom andamento dessas mesmas relações humanas, justamente porque o fator humano era a razão de sua vida, e por essa mesma questão pensava ser um tipo de missão proceder bem assim, conforme um critério, sem saber que, inconscientemente, estaria abraçando a ideia benfazeja de um conceito primordial entre a raça humana, qual não fora, a compreensão das luzes, das cores, dos humanos e da Natureza, que era nada mais além do conceito, ele mesmo, do Hólos.

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