terça-feira, 2 de maio de 2023

DIÁLOGO DE VIDA


                A noite estava movimentada, os carros passavam rápido, como que funcionais, como máquinas e sistemas, algo integrado no ar, e a coisa funcionava efetivamente, pelo viés das rodas... Quem saberia que em um local estariam duas pessoas, um homem e uma mulher, distantes de tudo, em um ermo, em um campo de futebol, cercado por pranchas longas de alumínio, e com barracões de pescadores, quem sabe, que peixes estariam pescando, ali, por volta das onze... As milícias da SS eram realidade naquele tempo, porém com roupagens diferenciadas, mas não vinham ao caso, aquele casal nada sabia de nada, apenas se portava ao diálogo, como um encontro fortuito, algo de non sense, casual, que uma vertente de carinho quiçá fora possível, mesmo que o pão na mão de um homem, ou os chocolates que ela, Maria, segurava em uma sacola, não traduzissem bem a questão do que realmente houvera acontecido com outrem, ou o que se passava naquelas edificações, e suas chaminés que vertiam um fumo cinza, naqueles tipos de exaustores redondos que se movimentam, puxando a fumaça qual um defumador caseiro. Na realidade a SS estaria vinculada aos movimentos fascistas que se alastravam, no viés do bate e rebate, posto algum jornalismo ainda citava essas fontes, dentro desta realidade quase de engodo, onde o pressuposto era a modalidade do chumbo, ou o golpismo e afins... O homem, chamado Carlos, era franzino, pálido, mal nutrido e carregava a mortadela e seu pão, não possuía emprego ainda e gostava de falar bastante, algo de ímpeto quando encontrara Maria, uma bela e gorda mulher, com os olhos amendoados, esbanjando aquela opulência que tanto agrada a muitos: posto saúde reveladora, ou as carnes do desejo ímpar, principalmente naqueles tempos de carestia afetiva... Falava meio que engasgando, mas era um homem culto, e gostava bastante de olhar para as rochas, aquele arremedo de pedras que quase flutuavam por aquela orla! No devido tempo, um instante, Carlos estava com as mãos um pouco trêmulas, no que Maria notara:

                - Não é por nada não, Carlos... Você passa bem?

                - Como?

                - Sua mão...

                - Nada a ver, Maria, é algo que possuo no braço.

                - Você tem se alimentado bem, meu caro amigo?

                - Sim, sim... – Respondeu ele, quase silencioso.

                - Não gostei desse sim, venha cá! – Maria estava um pouco trêmula igualmente, estava meio que fora de seu prumo, quase perdendo as estribeiras da plenitude de suas responsabilidades, não sabia exatamente o que se passava. Puxou ele para um hot-dog, serviram-se ambos de um farto sanduíche, com duas fartas salsichas, bastante milho, ervilha, molho, maionese, purê e queijo, na melhor modalidade do alimento, quando bem servido na intenção de fato, quando o estabelecimento é competente no ofício de alimentar, pura e simplesmente. Carlos tomara um refrigerante, bem doce, e ela começava a gostar dos olhos dele, esse espírito meio independente das mulheres queridas em praticar o bem, sem a malícia de estar-se a par de tantas coisas que as deixam assoberbadas com outras questões, e passam a serem funcionais como o carro que acima foi mencionado, ou os carros, pois nas noites eles correm para algum local, e na rua os homens por vezes tremem, não apenas de fome, mas da necessidade do álcool, ou qualquer coisa que anestesie a sua vida.

                Nada daquela passagem pelo viés da vida não colocasse na retaguarda a ninguém, posto que a ninguém bastasse, a não ser a necessidade de dois seres a comer durante uma noite, sequer a duração de horas, mas a necessidade: o que urge, na alma de dois viventes, algo de lutar pelas caminhadas, por ainda gostar de estar pisando com suas pernas o espaço dos pedestres, porquanto em uma noite e a simplicidade por vezes obtusa da paisagem urbana.

                Acabou que ela perguntou a ele se carregava muitas coisas na bolsa, e ele se aventurou a mostrar alguns de seus textos... Qual não fora, ela era dona de uma editora e gostava de novos autores de talento. Adorou o conteúdo dos textos, de lavra quase apocalíptica, meio de viés religioso, mas nada a ver com realidades folhetinescas de coisas repetidas, como o andamento que se via em certos lugares, como a realidade dos SS e sua afinação com o fascismo e essa famélica questão da tentativa errática e funesta de atentar contra a democracia, que era o reflexo do que acontecia no plano executivo federal, onde os poderes da União já estavam consagrados. Os textos, por sua vez, eram quase surreais; pagou por dois contos antecipadamente, com um cheque, pois ele sequer possuía conta no banco. Era um artista falido, um escritor nos mares do sul, algo mais raro de se ver, a ser editado em uma coletânea na semana que viria, com a projeção digital e, mais tarde, no mês seguinte, estaria dando uma noite de estreia na publicação do livro em papel... Feito, sob essa égide aquela opulenta mulher com nome da santa madre seria o encontro casual mais maravilhoso da vida de Carlos, pois ela jamais igualmente imaginara encontrar um artista com um perfil tão certeiro, na longa conversa anterior que tiveram, ou seja, passaram a se conhecer paulatinamente, e a parceria se fez, e o escritor chegou a ser premiado com quase sessenta anos, mas essa história seria um preâmbulo de uma vida em que as coisas anteriores, aquele campo que virara uma quadra de esportes, os ranchos com novos barcos, e as praias se tornaram mais visitadas, sem a questão do suporte existencial que por vezes é um pouco equivocado quando se pensa que a vida não passe sempre de um tipo de conflito, mas que infelizmente, para agentes da justa, não deixava de ser uma realidade algo dura... A luta das autoridades em cada tempo era permitir, dentro do escopo do que viria a ser ou emanar o poder a partir do povo, que renitentemente, para salvaguardar justamente o andamento da normalidade democrática naquela cidadania a ser reconstruída a cada dia, o pressuposto era o trabalho diuturno de seus agentes que permitiriam essa consecução e manutenção da sensatez e humanismo no país, como o mote da existência mesma incluso da arte e seus pertencimentos existenciais. Nisto não haveria maiores dúvidas, posto o quanto se desbaratasse, através dos meios efetivos essas organizações sombrias, o resultado seria mais positivo em um espaço de tempo menor do que o esperado, o resto seria apenas proceder a um tipo de trabalho investigativo recorrente de manutenção, com um bom órgão de inteligência e seus trabalhadores...

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