quarta-feira, 2 de abril de 2025

MECANISMO DA COMPULSÃO


                Não há exatamente a certeza de sermos ou estarmos tendo compulsão, mas em termos de vícios certamente há. Falo disso, sou um adicto à nicotina, e agora já tenho a gana de fumar um, quiçá para poder escrever algo que faça sentido, ou que alerte, conforme a minha própria experiência, a outros, o que é estar afeito a uma sensação de abstinência que sequer começara, meio que em um “rito preparatório...” O ato de fumar para agir intelectualmente, o ato de se preparar para um estudo, mesmo que se porventura a experiência da abstinência vem de roldão, o fato é saber que essa mesma experiência de sentir a pulsão por algo, por uma substância, pode vir a dar nos costados de uma reflexão que pegue mais fundo na verdade, pois é essa a intenção, como se fosse eu a minha própria e intencional cobaia de mim mesmo. Longos termos escreveria, quiçá sobre aspectos de um narcisismo febril, onde a mesma faculdade intelectiva estivesse sobrecarregada de falhas, quando a lógica, o lado racional do ser humano, aparentemente, sob o testemunho de alguns, especialmente os adictos ao tabagismo, se sentem quando lhes falta o cigarro, ou quando não houve aquele inicial, meio que preparando quase espiritualmente um laivo de mediunidade na questão, o que vem a dar com os burros n’água, pois certamente isso não faz o menor sentido à luz da ciência da mente.

                O correr das palavras, como estas se pronunciarem, vem dar as luzes da citada experiência, e que me perdoem as linguagens extremamente lógicas, pois não sou e nunca fui um filósofo, e quem me dera conhecer sequer as bases empíricas de tal doutrina. O fato é que me alivia escrever, e não me dá vontade de fumar escrevendo assim, livremente, associando coisas e mais coisas como se eu estivesse postado diante de um terapeuta. A associação livre de ideias porventura é um recurso que Freud implementa como modo de se dizer algo, e digo isso nos moldes em que esteja fazendo um tipo de auto análise, onde o objeto em questão sou eu, me lerei depois e verei onde estaria a compulsão que agora se me desatrelou dos caminhos da minha própria verve, quando sei que a razão que me impeliria a fumar não vai ocorrer até terminar o escrito, e escreverei pela vida, pois sei que a pulsão de morte influencia deveras o pensamento de todo o viciado que não se realiza através do princípio de realidade...

                Em um momento de tensão, onde cito essa mesma pulsão, se me invade, quando me levanto para reler a assertiva, aquele reflexo condicionado de querer pegar um cigarro e acender, quando sei que este mesmo parágrafo agora estará convocando aqueles que possuem sensações semelhantes, que a história pode ser postergada para o capítulo de um próximo e um próximo parágrafo, discorrendo sobre a compulsão, a Natureza do vício e do viciado, o que o levaria ao ato e quantos paus para construir uma canoa de limpeza seria ou faria parte de um caráter honesto em reafirmar ser tudo uma experiência descritiva, e não uma narrativa fantasiosa esse tipo de tese em que tudo se resume na expressão pura e simples de meras palavras. Eis aí, caro Freud, vossa associação livre, eis aí a possibilidade de experimentar a sensação de não se sofrer, porquanto – sejamos realistas – quem vos escreve apenas está saindo da compulsão ritualística preparatória, e demandará horas para sentir os efeitos da abstinência, e quiçá, agora dentro de meu próprio domicílio-laboratório, possa descrever outros momentos da citada abstinência e ficar pelo menos por hoje abstêmio da substância, ou fumar um cigarro antes de dormir, mas isso é tarefa quase desejante ao revés, no que infira que há um misto de idealização no prosseguir, então prometo ao leitor que fumarei um cigarro depois de toda essa narrativa, apenas, ou melhor, se for possível procrastinar, fá-lo-ei, por uma suposição quiçá pretensamente coerente.

                Um misto de pesquisa me encerraria um trago no tabaco, mas envolvo-me com a outra pesquisa que postulo, que seja envolver tudo o que diga respeito à dependência e a racionalização que faço meio que tentando explicar, mas na realidade é apenas um arremedo de teoria quase conspiratória contra a nicotina, o que tento empreender, posto a reflexão e a expressão humanas são meios que podemos encontrar para sublimar as pulsões, incluso aquelas causadas por substâncias que as causem fisiologicamente, ou seja, organicamente... Quase paro por aqui, meio que me acovardo, torno-me mais adoecido, ou mais mentiroso, pois neste exato instante pensei dar um fechamento na fala e fumar um cigarro, mas na realidade tenho algumas obrigações a cumprir e creio que as ordens médicas sobre a abstinência e sua crise deveriam me fazer mascar uma goma de nicotina, mas tentarei encerrar o texto tentando ver com cautela se os seus descaminhos emascaram realmente os erros em que o pensamento pode vir a claudicar com a ausência da substância.

                Uma breve pausa, não estivera falando muito com o pouco que me restava de uma consciência mais desperta, mas um ansiolítico me fez bem agora com suas três gotas. Resta-me uma calma, não fora à substância, mas sim as palavras agora possuem um gesto mais leve, tal a sensação que experimento. Em outras palavras, são quase sete da noite e parti tardiamente para um tipo de ação combinatória, onde um bom médico havia dito que seria ótimo escrever sobre a abstinência, enquanto outro afirmara a possibilidade de se acalmar com recursos dentro das possibilidades à mão. Quem sabe o grande James Joyce encaminhasse, em seu “Ulisses”, o seu personagem pelas ruas de Dublin, sabendo de sua Helena, o esperando em sua casa, os seus desapegos sintáticos, e aí começo quiçá a querer devanear muito sobre literatura: deveras!

                Abre-se a chave: o vício passa, a pulsão passa, somos capazes de reinventar a roda, sublimar inclusive um grande tóxico que tanto nos arremete contra a nossa saúde, física, mental e espiritual. Quiçá fosse um bom espírita, mas na mesa branca Kardecista, um dia me disseram: não é bom fumar, jamais fume! Se porventura eu encarasse o credo mediúnico, porventura acreditaria ser bom fumar, ou isso não complicaria tanto a minha saúde mental que o cigarro viraria motivo para delírios dessa magnitude? Ou a crença absurda de outra religião que o charuto ou o cigarro alimentaria o Cavalo... Que os pais de santo o sabem de sua crença, isso é indubitável, digno de respeito, mas um médium não deve crer que depende de uma substância para sua “entidade” poder fumar. Pelo menos não arremeto por essas veredas, pois quero estar limpo, e a prova disso é ter podido escrever um texto que tento situar dentro de uma realidade praticável e possível a respeito de um vício tremendo, e que nada e nenhum espírito estaria presente em minha companhia para que eu pudesse escrever o que bem entendo, pois sou um homem com minha crença espiritualista, e inclusive no Kardecismo se prega que devemos orar por quem já desencarnou para que possam seguir seu rumo na Paz do Senhor.

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