sexta-feira, 25 de abril de 2025

CARTA A UM OBOÉ DESAFINADO


                Falavas, e eu te escutei quando dizias algo, e tantas são tuas músicas trigueiras, que não me conforto com aquilo que eu mesmo pronunciei hoje à tarde, mesmo sabendo que a verdade sobre mim quiçá eu a saiba melhor... Nos versos que eu verti sobre o teu braço que nem me lembraria, sei que lutas melhor quando és aquele instrumento de orquestra que – tal como um pífano quase colombiano – melhor a vida seria quiçá sem a presença que me deixa surdo perante desafios, naquilo que me encerro todos os dias, assim, alquebrado por vezes, lendo a teoria dos desafinados como tu.

                Furando teus devaneios, sei das promessas de muitos que sabem de ti outrora em outras relvas bem macias, talvez na grama de meus ressentimentos eu o saberia melhor em minhas loucas obsessões. Não, óh oboé que desafinas tanto quando te sacodes na orquestra, não farei de teus dias nada mais do que vez por outra te escutar na surdina, que me encontres mais refeito, posto de palavras estou mais cheio do que grávido de um horror que já me passara ontem. Sabia disso? Não mais? Quem dera fôsseis o ontem, óh vernáculo que me assombras com teus estofos de pedra. Escreverei a ti e todas as cartas da minha veneta de descendente de uma Itália tardia, quem sabe, no meu sangue parlaria um pouco...

                Sei das mulheres que te escutam, sei do que se chamam os líderes do ocaso, só não sei quem seria eu se não fosse a metonímia de tua presença! Quem sabe olharás o sol por dentro de teu estojo enferrujado, e alguém te tocará em uma epifania etrusca, o vaso de alabastro que cairia por cima de uma cerâmica milenar, e as falenas mais seguras segurariam o véu de noiva de um autor famoso, tipo Nelson Rodrigues. Desafinas, mas me deixe em paz que acabo de gozar nas palavras, qual um eunuco que recebeu uma sursis do carrasco que o condenou por ele querer respirar o hálito de uma floresta de amianto! Quem dera o que escrevo seja mais aquilatado por não saber mais de nada do que faria um senso comum, do que aquela que posso encontrar outro dia venha com a racionalização de uma jovem que diz algo, como tantas outras que nada dizem a si mesmas, querendo provar que há vida inteligente na fantasia.

                Se me encontram com sentido, pois sim, encontrariam outro debruçado sobre o cristal de ferros de jardim, qual grade na janela que precisa urgentemente de uma raspagem, ou mesmo a mangueira de um jardim, onde a água verte normalmente para tirar a lama dos pés de um andarilho que volta do mar... Pois que dera a si o de si, e a si fora posto o remendo de muitos, que andem procurando, pois no arremedo cultural de uma vertente igual ao que buscamos todos os dias, por vezes a certeza de alguém que esteja nos traindo por tabela não é a traição do per si, mas a estranha alquimia de um desejo pronunciado pela carne trêmula.

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