Eram
horas, haveria de guardar o carro, já passava das dez. Um dia como o outro, mas
não sabia que dia exatamente teria sido o outro dia... Carros brancos passavam
antes, na rua, e agora seria uma hora deserta, as rampas estavam com musgos, e
quando voltei escalando-as, meus pés, reticentes, notavam a presença daqueles
seres de ervas, daqueles repolhos minúsculos, já faziam parte da substância do
cimento.
Optara
em não sair para comer fora, o mesmo cardápio não me esperaria, os seres
noturnos, quais miasmas, fantasmas ao vento, que eu não os encontrava, estariam
certamente vagando na noite, certeiros como alucinações de um desperto fracasso
dos delírios da chuva fina. Havia começado meus estudos, confidenciara a
poucos, mas a rádio difusão possuía seus estranhos mecanismos, onde porventura
o estudo de um homem pode ser fato até curioso! Já não contava com a minha juventude,
mas o afã de aprender nunca é faculdade tardia, então já aprendera na vida
acadêmica, posto nos saleiros mais antigos os furos devem estar sempre abertos,
pois o sal tempera igualmente como os de plástico...
Estivera
pousado em uma mesa de café pela tarde, vendo pela janela imediatamente ao meu
lado duas belas mulheres, um pouco mais animadas do que o costume da
sobriedade, estavam bem vitais, ao certo, uma morena, a outra loira, mas aquilo
me pareceu artificial, tão somente. Era sobremodo fácil encontrar mulheres em
padrões de beleza “ideais”. As belas, diriam, que fossem um pouco feras, mas
não supunha, a minha experiência era observar, não mais, apenas, mais trejeitos
por trejeitos, e eu não caminhava mais na chuva, para estabelecer um outro
padrão de comportamento quase exaltado e rebuscado, pois não haveria mais em
dias como hoje, uma noite à altura sequer de um sonho a mais de quase verão.
Dito e feito, esperava sempre o sorriso de uma afeita a mim, estava mais gorda,
trabalhava bastante, e se revelava meio triste, e eu inconscientemente ia a
reboque, pois a tristeza de um mero afeto me contagiava deveras, mesmo que eu
lutasse para manter-me esportivamente otimista. Mesmo porque eu não poderia ter
sequer um envolvimento maior, quem estava ou era na situação me punha em
palpos, não saberia dizer exatamente o porquê, talvez não criar vínculos, não
usar das pessoas, não divagar sobre as ideias de alguns comandos de outrem...
Realmente,
eu não estava afeito a nenhum tipo de negócios, e passava bem, grato pela vida,
e grato pelo que Deus me concedia, os meus órgãos, minha saúde, meus olhos e
minha lucidez, que gostava de preservar acima de tudo, como bem mais precioso,
pois era o que me mantinha vivo e coerente como homem. Sem devaneios maiores,
pertencia a uma classe de gente que gostava de se comunicar, quiçá uma falha de
caráter, quiçá um temperamento exacerbado em exagero, um tempo onde se
conversava muito, mas sob o efeito de substâncias estimulantes, como o álcool e
as drogas, que eu já não fazia mais uso, de data não muito mais recente de
sobriedade contínua. Apenas via uma certa frieza naqueles olhos brilhantes,
naquele afã de não deixar ninguém mais falar, mas já eram sobras do que havia
sido, em termos de incidência casualmente corriqueira na ponta, nos
restaurantes e lanchonetes, onde o negócio por vezes quiçá prosperasse nesse
viés, igualmente. E as pessoas dita “caretas” já estavam frequentando seus
lugares, outras mesas, outros modos, sendo que o que acontecia em alguns sítios
não era mera aparência ou fantasmagoria, mas incidentes de fato.
Por
isso, subi as rampas, aquele tépido e pequeno veludo e suas texturas
imperceptíveis nos pés, trancava sempre o portão com cadeado, entrava em casa e
me preparava para dormir, agora mais afeito a bons estudos, pois gostava tanto
das letras como ler os ventos ou prosseguir observando obsequiosamente a
natureza humana. Dito e feito, em torno das dez e meia, a noite prometia ser
solitária mesmo aos acompanhados, e eu com meus botões, pensando em escrever
mais um capítulo de minha vida no dia que se encerrava, a solução mais nobre em
prosseguir viandante de alguns fatos, ou carregador de fardos necessários,
posto já havia procrastinado dois ou três para o dia seguinte...
Nenhum comentário:
Postar um comentário