quinta-feira, 3 de abril de 2025

O LÚDICO NAS CRIANÇAS


                O caso de P., 12 anos, perde a mãe de um infarto fulminante. Uma criança que a terapeuta trata e nas terapias tem sido assíduo e pontual... Um menino ativo, até demais, seriam os momentos em que pudesse ser mais infantil aqueles que sequer se permite. Bom aluno, visto com certa prepotência, mas sofre de anurese, depois de ter ocorrido o falecimento da mãe. As ferramentas no trato psicanalítico com crianças passa pelo brincar, são outras, deve-se entrar em seu imaginário, e no caso desse guri, quiçá quando pensara que deveria estar presente junto com a mãe para que nada tivesse acontecido, posto estava com a irmã, sendo ele um temporão, a irmã, já casada, e uma espécie de mãe tamponada. Na figura da analista, igualmente, uma outra figura, parecendo todas, incluindo a tutora da escola que lhe dá as aulas de reforço, igualmente figuras que preenchem essa necessidade da mãe, essa questão da falta, que o menino nega em sua fala, dando uma de durango kid, de super herói, dentro obviamente de seu imaginário algo desconstruído, meio frágil, mesmo sendo experto no jogo, sendo um bom filho de seu pai e bom e devotado aluno, praticante de karate, etc.

                Huizinga já falava, em seu “Homo Ludens” o aspecto de jogo na civilização e nas culturas, desde as mais primitivas às mais desenvolvidas, desde os diversos ramos de atividade, como o esporte, o jogo em geral, os games se desenvolvem, e como milhões de pessoas jovens, adultos e crianças fazem uso desse manancial de entretenimento. Na psicanálise especialmente, para entrarmos no universo infantil, o jogo é algo soberbo, pois o campo simbólico do discurso se dá na Natureza desses pequenos seres de forma mais simbólica do que imaginamos... É através do jogo das cartas e de não saber perder, que P. manifesta sua forma de ser mais responsivo, maior, mais importante, zeloso e quiçá até um pouco prepotente, ocultando uma agressividade que pode estar latente, e seria com esse recurso extraordinário que o analista deveria se colocar frente ao desafio de extrair o sentimento de culpa e de castração que o menino esboça frente à fantasia de que se estivesse junto à sua mãe evitaria o pior, apesar de ter sido um infarto fulminante, e fatalmente nada poderia ser feito. Mas deve ser um trabalho escalonado, por etapas, na medida em que se desconstrói a estrutura imaginária desse analisando, possibilitando não relacionar diretamente esse mesmo aparato simbólico com seu problema de anurese, derruindo o processo e desmistificando o saber mesmo da fantasia criada, repondo ou diluindo em outros paradigmas psíquicos. O uso de bonecos, uma representação teatral que revele a frustração, ou propriamente um super-herói que frustrasse a expectativa de nada fazer, seria uma boa medida para entrar no imaginário do menino, ou o jogo em si, observar como ele reagiria à possibilidade de derrotas, ou mesmo revelar a essa pequena persona em construção que errar é humano, e que somos sujeitos a falhas, mas na realidade há erros em que efetivamente não somos responsáveis por eles. E que essa culpa não deve ter razão, mesmo que saibamos que a razão é um terreno relativo, principalmente quando tratamos de um terreno como o inconsciente, e como as coisas se precipitam em sentimentos, recalques, e castrações dessa ordem.

                Em síntese, na análise dos adultos utilizamos o campo do simbólico, do imaginário e o real, na visão lacaniana, assim como no ego, no superego e no id, na questão freudiana, e na questão infantil não é distinta, apenas as ferramentas de se alcançar o domínio expressivo do analisando é distinto, mesmo sabendo que por vezes quando cremos que o jogo é excelente para uma abordagem infantil, quiçá muitos adultos joguem o tempo todo igualmente, mas isso se dá no plano das ideias, da associação livre, e quiçá de uma razão e soberbas que distinga o ser do próprio ser, fenomenologicamente falando, na pura questão existencial de afirmações ou, quando tecnicamente a busca pela terapia é sincera, na exposição evidenciada de nossos mais íntimos sofreres...

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