Introdução
Neste trabalho, pretendo desenvolver alguns tópicos
relacionados com dilemas da sociedade contemporânea, suas inquietações e a
influência da tecnologia e suas inovações sobre o pensamento e o modo de agir
das populações em geral, bem como a integração dos diversos papéis e atores que
atuam no processo, e como tudo isso implica na formação e desenvolvimento da
psique humana, especialmente nos jovens, e a sua fuga para a questão de
entorpecimentos e dependências com relação à tecnologia ou substâncias várias e
afins. Como o narcisismo atua de modo a impactar a personalidade, e como o
processo histórico das tecnologias e as teses de Freud tanto contribuíram para
elucidar alguns aspectos da alma humana, nesse sentido.
Subdividirei os assuntos e
temas relacionados conforme uma estruturação em três capítulos e a conclusão: o
primeiro tratando do narcisismo como combinação de patologias ou síndromes da
era contemporânea, os diversos contextos econômicos e sociais, e como eu experimento
na vida prática e na observação a vivência cotidiana das pessoas; o segundo
capítulo, uma abordagem da tecnologia e do trabalho e suas relações, sempre
trazendo para o domínio humanístico, o que significaram as descobertas técnicas
contemporâneas, sem ser muito detalhista ou me aprofundar, posto não saber
ainda as reais dimensões desses processos de produção, mas quanto afetam a
humanidade, sempre sob o ponto de vista das relações humanas; no terceiro
capítulo, relacionarei diretamente as relações e a mescla do narcisismo com a
tecnologia e suas abordagens, e na conclusão farei minhas considerações finais.
OBS.: não me embasei em muita
literatura, apenas em alguns textos de Freud, um pouco de Lacan, e uma
tentativa particular de sentir a realidade como a compreendo na prática da
observação.
1. Sobre
o narcisismo, uma visão de um observador
Justo quiçá sermos críticos em meio a essa chamada
“vanguarda”, que nada mais é do que a posição de muitos que vertem em seus
corpos a própria posição narcísica, construindo seus músculos, educando suas
mentes conformes com um sistema desagregador, muitas vezes, e que nos recoloca
frente a frente com quadros praticamente patológicos: “A criança concretizará
os sonhos dourados que os pais jamais realizaram – o menino se tornará um
grande homem e um herói em lugar do pai, e a menina se casará com um príncipe
como compensação para sua mãe.” (FREUD, 1996, pág. 98). O homem, a mulher, como
representação simbólica de si mesmos, como heróis, como força, músculos,
tendões, a saúde, nem sempre corroborada pela medicina nesse viés da ginástica
compulsória nessa modalidade de fato, encontra na cultura ocidental a ganância
do ganho do prazer, como se algo ou alguém tivesse que ser responsável pelo
dito escoamento de sua libido objetal, particular, própria, significante
enquanto devir do outro, que lhe supre, que tem a carne que possa sustentar a
performance do ato, o tempo meio que dando suporte a que ele – o próprio tempo
– tenha que correr por fora da academia, pois os ganhos recorrentes do
trabalho, as tensões, tudo do tônus é levado dentro de uma sacola, para ser
colocado dentro de um receptáculo do eu, o ego meio que levado mais a sério do
que a normalidade, uma real “catexia objetal ao ego”... Se fosse possível tal
premissa, algo de violação do previsível, o ego enquanto objeto, enquanto goal, meta, alvo.
No entanto, do lado de fora da academia, forças sucumbem,
cidadãos miseráveis passam, invisíveis: rotos, descamisados no inverno, se
intoxicando, reverberando coisas sem sentido na fala, meio loucos, ébrios,
drogados. E qual seria a sua parafrenia: “Parece-me que certas dificuldades
especiais perturbam o estudo direto do narcisismo. Nosso principal meio de
acesso a ele continuará a ser provavelmente a análise das parafrenias. Assim
como as neuroses de transferência nos permitiram traçar os impulsos instintuais
libidinais, também a demência precoce e a paranoia nos fornecerão uma
compreensão interna (insight) da psicologia do ego.” (FREUD, 1996, pág. 89).
Continuam andando pela trilha da miséria, e na academia o
contraste, nos cafés um outro contraste, nos carros que passam e que não veem o
que pode ser e efetivamente está nas ruas exacerba uma estranha força, e a que
ponto o narcisismo social não vê apenas a si mesmo, a seu próprio espelho e a
seus “iguais”, enquanto muitos padecem pelos corredores do desamparo social,
precisando efetivamente da ajuda de profissionais?
“Neste ano, começa a questão das psicoses. Digo a
questão, porque não se pode mais sem mais nem menos falar do tratamento das
psicoses, como havia sido inicialmente comunicado por uma primeira nota, e
menos ainda do tratamento da psicose em Freud, pois ele jamais falou disso,
salvo de maneira totalmente alusiva.” (LACAN, 1985, pág 11). Esse tipo de
fetiche do trato medicamentoso apenas, mas por um viés inquestionável na
ciência médica, vem a dar nos costados de que Freud não contornara muito o
problema das psicoses, e Lacan, em seu Seminário 3, dá uma olhada atenta sobre
os males mentais dessa natureza, especialmente nas doenças causadas por álcool
e similares. Uma atenção desmedida deve ser relacionada com a solidão da
psicose e sua conexão íntima com o narcisismo, quando o paciente começa a se
isolar e busca transpor a energia libidinal em relação ao próprio ego, o que
pode ser sintomático desde o início, e não necessariamente ter sido uma doença
relacionada com a ingestão de drogas, posto a fuga em direção ao prazer em
relação ao eu, ao ego, seria uma solução mais fácil e permanente, como que
dizendo ao Id: veja só, você pode aceitar que o Eu é melhor do que qualquer
pessoa outra, no fundo se eu sou um tipo de figura exemplar, mesmo que eu
conquiste o Outro, permanecerei dando prazer para mim mesmo. Transfere-se ao
Ego a catexia mas, quando não se sublima, os sintomas podem se acentuar,
fragmentando o próprio ego em desvios de personalidade... E pode culminar na
irrupção de um surto psicótico, quando a dissociação com a realidade vira algo
de frêmito, e a confusão se torna ímpar na mente do sujeito. Mesmo porque,
enquanto o neurótico recalca as pulsões do id, levando a manter em suspenso
essa tensão, o psicótico modula a realidade para uma outra, para que possa não
refrear as ditas pulsões do id e acabar por ceder a delirantes processos de
fuga do senso cabal da realidade, migrando para outras instâncias da psique,
ocultas e por vezes configurando quadros patológicos graves. Quando o
neurótico, por sua vez, refreia o instinto de prazer, que se manifesta através
de pulsões fortes da libido do id, e apela para o instinto de realidade,
recalcando-os em função de um superego que toma a dianteira e lhe dá a
orientação quase inconsciente e no entanto equilibra as partes que cabem à sua
autopreservação, a condição de ser tratado na clínica é mais palpável, e ele
torna-se factível de passar pelas crises sem ter que ter na intervenção do
psiquiatra algo compulsório, abstendo-se de tomar medicamentos ou contenções
químicas similares.
O chamado “amor livre”, o erotismo sem fronteiras,
pretensamente libertário, hoje é algo crível e passível de riscos, não apenas
com a AIDS que está recorrentemente presente no planeta, mas a associação com
parceiros/as que fazem uso de entorpecentes, e que já têm uma predisposição de
carregar para si a irresponsabilidade de seus atos, por isso por vezes a
relação de um homem ou uma mulher em torno de uma libido voltada ao ego, um ato
de auto erotismo, seja uma boa defesa para não se deixar levar por ímpetos
apaixonados e cegos, diante de realidades, onde por vezes mal se conhece o/a
parceiro/a. Cabe a um diálogo sobremodo mais profundo de se conhecer
intimamente a real natureza da personalidade do futuro amante ou da mulher que
concebemos como tal, que se dará a possibilidade de se usufruir
sexo-afetivamente com mais segurança em um mundo tão conturbado e tecnológico
como o dos dias atuais, como veremos no capítulo dois, na abordagem do que são
as redes sociais, como o narcisismo maquila as personas recriando-as dentro de
um estofo moral disfuncional e como a efemeridade dos relacionamentos são capazes
de fazer ruir estruturas mais sólidas de outros relacionamentos já consolidados
dentro de uma conotação existencial mais simples e sincera, onde, como disse
Bauman em seu livro “Amor Líquido”, que o título já encerra o assunto, justo,
sobre o que não é sólido em termos de afetividade nas relações contemporâneas,
e tudo o que isso implica nas relações amorosas modernas no mundo.
2. A
tecnologia, para quem viveu uma transição
“Os mass media encorajam uma visão passiva e acrítica do
mundo. Desencoraja-se o esforço pessoal pela posse de uma nova experiência.” (UMBERTO
ECO, 2008, pág. 41).
A passividade se torna uma mola mestra, quando porventura
queremos conhecer demais, mas as demandas nos ensinam o que é, o que está nos
meios, e passivamente aceitamos como certo, até que nos vemos dentro de
pequenos contêineres de informação, ou recebendo golpes cibernéticos, ou crendo
que nem todo o smartphone é mais importante do que nosso próprio e fisiológico
olhar, pois quando olhamos para o mar, nosso amigo, que na verdade faz parte de
nosso próprio eu, estará sendo testemunha do momento em que sabemos que
possuímos esse “estranho poder” digital. Tudo funcionaria a contento, mas a
linha do tempo é irresoluta, e não para, e o tempo corre, e nossas premiações
são por vezes ícones de coraçõezinhos, ou um afeto que raramente diz eu te amo,
quando estamos servindo uma organização, ou achamos que se pronunciarmos essas
“perigosas palavras” a alguém, nos desabilitariam, simplesmente bloqueando-nos,
a um mero toque de botão, e preferimos ficar com migalhas afetivas, ou seja,
Milan Kundera em seu livro “A Insustentável Leveza do Ser” tivesse razão...
Voltamo-nos que nem conchas, e o narcisismo está no ar,
quando somos os donos dos meios, ou criadores de conteúdo, ou possuímos o
controle de algo, por menor que seja. Desde quando começara a onda dos computadores,
os celulares não existiam sequer para o vulgo consumidor, e as artes gráficas
eram sobremodo algo que revolucionou as empresas de marketing, as tarefas
ficaram mais fáceis, e o que antes se gastava em horas e horas com nanquim e
trabalhos de montagem e finalização das artes, começou a ter incrementos
substanciais no trabalho, com a rapidez e a desenvoltura que a tecnologia
proporcionou à humanidade como um todo. O faturamento ficou mais alto, acontece
que o trabalho aumentou deveras, a imprensa girou veloz, as máquinas mais
ágeis, a internet veio com tudo e a revolução tecnológica finalmente se
estabeleceu, e quem viveu a transição do analógico para o digital tem a
experiência latente do que significou tudo isso para a raça humana. Teço
considerações sobre a área gráfica posto fora onde eu atuei como profissional
desde então.
Muitos empregos se perderam, várias funções ficaram
obsoletas, mas criaram-se outros como o Desktop Publisher, o designer, o
projetista em CAD, os programadores, os cálculos das planilhas, o
desenvolvimento da medicina, o setor bélico no rastreamento e precisão e
capacitação robótica nos mísseis, enfim, em tudo a informática esteve e está
presente hoje em dia. Se fôssemos escrever um capítulo sobre como a tecnologia
se desenvolveu a partir desses sistemas informatizados, estaríamos escrevendo
um tratado. Esse desenvolvimento todo veio para construir, erguer, e para
destruir, romper, igualmente... Falo isso para situar como se construiu a
psique humana nos últimos cinquenta anos para cá, e como está agora usufruindo
de todo um conhecimento, por vezes sem conhecer de fato o que ocorre com nossa
civilização, dos jovens não cursarem mais a escola para poderem trabalhar, e
como a relação de seus egos com as máquinas os fazem crer serem superpoderosos,
sem saber que fora da matemática, da história, de um afeto normal, de uma vida
que fosse: não digo imitativa da anterior, mas um resgate do que seja possível
dentro da inevitável tecnologia, a saúde mental seria quiçá ampliada
enormemente, em virtude de um desenrolar mais humano entre as gentes, mas
afetuoso e menos beligerante e competitivo. Mesmo porque o “Mal Estar da
Civilização” parece um texto eterno... O embasamento de certos excertos
literários são sempre bem-vindos para um estudioso sério da psicanálise, mesmo
porque nem Freud parara por um caminho, nem Lacan, nem Jung, Klein, e outros. A
tecnologia é um pano, resta saber onde ele se encontra, se no fundo, ou, de
forma frontal, escondendo a cena, muitas vezes e a psicanálise acompanha
organicamente o processo de sua história. As pessoas já nascem com o display na
mão, praticamente, ainda são crianças e já manipulam exemplarmente esses
objetos, sabendo de coisas que nem a própria máquina obstaria algo. Uma relação
simbiótica, afetiva, moral, de extensão psíquica, central, de dedos e de visão,
de ruídos, de estética, de costume e hábito, de codependência, vício... Por
vezes. E muitas! Sobre isso falaremos a seguir: essa estranha simbiose, uma
relação com um tipo de “osso-ferramenta” que remonta às cavernas...
3. O
display: amor ou ressentimento?
Cuidamos de nossos celulares como o antigo Tamagotchi,
nosso bebê eletrônico da década de noventa, nos seus inícios... Hoje, a famosa
Alexia, nossa “robô funcionária e amiga, parente e criada.” Mas o celular
continua sendo a peça chave, justamente por possuir algo chamado whatsapp. Sem
eles não marcamos a ponta, não nos comunicamos, não há possibilidade de
contato, algo de telefonia no ar já não é mais usada quase, pois o contato
remoto da linha de tempo reduz e filtra, passa documentos, imagens, compartilha
nas redes sociais, refaz compromissos, apaga mensagens, e oculta conversas,
mesmo que por escrito o adultério possa ser concluído com muito mais
competência, por isso a paranoia de muitos adictos ao ciúme, e codependentes
quererem controlar a vida de seus parceiros e suas parceiras. Mas é na
apresentação do ser que o narcisismo se revela, na sua fantasia, no modo como
as redes sociais nos representam...
Com os novos recursos de retoques de fotos e filmes a
estética virou a mescla que faltava para que a fragilidade de certos egos se
transformassem em beldades, e fotos e mais fotos de sociais fossem exibidas na rede, esperando pela aprovação de um post, uma resposta numérica
qualquer, um resultado, uma carência disposta no anuário de mais um ano, um mês
de aniversário que seja, ao menos ser lembrado, ser popular, como na turminha
do colégio, como na eterna adolescência, onde até mesmo senhorios já idosos se
comportem ainda como tais.
Afora isso, o descontrole do acesso ao mundo erótico na
rede, onde onanistas e mulheres solitárias encontram seu prazer, ou marcam pontes
entre eles ou elas e profissionais do sexo, que estão a um clique do celular...
Visitam a domicílio, e nem sempre vem sozinhos... Aquele prazer do clique, a
maquinha se torna a fonte dos desejos, o note se torna um cinema privê das
preferências mais secretas. Tornou-se moeda rara o clichê de se pagar por sites
de relacionamento, para quem tem a esperança de encontrar um par, um que seja
quase perfeito. Um par que se ame, para quem pretenda amar... A libido objetal
se aproxima, mas a tecnologia filtra muito, e muitos que se aproximam não são
exatamente o ideal de relacionamento esperado, muito pelo contrário, por vezes
são ou estão embutidos em um pacote maior, já vem com demandas prontas, e
requisitos necessários para concretizarem o affair.
O lado efêmero da moeda corre e os atributos são analisados da cabeça aos pés,
a situação financeira, o lugar onde se mora, os antecedentes criminais, tudo
deve ser investigado para que não se caia no golpe comum nesse tipo de
encontro. E os índices não são tão satisfatórios, a solidão perdura, muitos são
alcoólicos ou fazem uso de entorpecentes, pretendendo apenas a aventura de se
pendurar em alguém que lhe dê o suporte necessário para suas leviandades. E a
solidão perdura, e por vezes ela faz a catexia se aproximar do ego, quando o
amor objetal já não encontra ressonância, quando a decepção é grande nesse
grande território do real, um real lacaniano do improvável...
O grande embate é realmente o narcisismo onde a libido se
aproxima do ego, desiste dos objetos, passa o sujeito a não se arriscar mais a
se prolongar a inquietude dos tempos modernos naqueles que levam uma vida mais
solitária, por vezes com famílias disfuncionais, com problemas de depressão,
com alguma parafrenia, com comorbidades várias, ou mesmo, no melhor dos casos,
quando é autêntico demais para a comunidade onde está inserido. Justamente
porque, quando as respostas a um evento psíquico ególatra de um narcisista está
presente, outro que tenha um ego fortalecido, mas não necessariamente
narcisista, mas com o moral alto, no bom jargão, pode instigar o ególatra como
um tipo de rival onde o conflito residual entre aquele que se julga um
dominante encontra, na contra resposta de um tipo de homem mais experiente e
ainda em forma em todos os sentidos, no paradoxo em que uma geração que não
possua esteios civilizatórios no caso individual em questão, posicionado em um
contexto de seu lócus de trabalho, encontra na negação da normalidade o outro,
principalmente se esse ser citado portar uma enfermidade mental, mas aparentemente
possua mais tolerância do que o esperado, e efetivamente seja bem controlado e
normal, ou seja, bem conduzido pela medicina. Essa dicotomia entre o ser criado
pela tecnologia, e aquele experiente que houve ter passado pela história de
parte dela, própria de sua geração e das transformações revolucionárias de seu
tempo, por vezes lhe dá esteio, ao ser mais experiente, para que seja um Grande
Outro, ou um sujeito suposto saber que o vulgo busca negar a qualquer custo,
principalmente por vezes por ideários existenciais, políticos ou ideológicos,
ou mera contestação ou insegurança frente a presença de mulheres como o suposto
saber revele a esse ser humano que isso realmente importa às gentes,
especialmente à natureza feminina, com seu amplexo perscrutador e intuitivo.
Afora esse contexto todo, há locais onde a ingerência da tecnologia não é tão
importante, e é nesses espaços que a vivência humana como um todo se apresenta
em seus diversos modais, onde se houver o mínimo de educação e civilidade as
coisas possam proceder de uma forma a mais salutar possível.
“O programa de ser feliz, que nos é imposto pelo
princípio de prazer, é irrealizável, mas não nos é permitido – ou melhor, não
somos capazes de – abandonar os esforços para de alguma maneira tornar menos
distante a sua realização. Nisso há diferentes caminhos que podem ser tomados,
seja dando prioridade ao conteúdo positivo da meta, a obtenção do prazer, ou ao
negativo, evitar o desprazer. Em nenhum desses caminhos podemos alcançar tudo o
que desejamos. No sentido moderado em que é admitida como possível, a
felicidade constitui um problema da economia libidinal do indivíduo. Não há,
aqui, um conselho válido para todos; cada um tem que descobrir a sua maneira
particular de ser feliz.” (FREUD, 2012, pág. 28).
Conclusão
Sempre seja dita a questão de que em sociedades abrutalhadas,
não há muita possibilidade de diálogo, e a retenção de impulsos de ordem
virulentamente agressiva, por motivação vária pode resultar em desfechos
desagradáveis. O que se vê hoje em dia é justamente um fenômeno onde quase
todos os que se sentam em um local público manipulam seus celulares, outros
levam seus note books para trabalhar, ou mesmo jogar algo e, por vezes, há um
fenômeno interessante que é de uma família, por exemplo, estar sentada na mesa
de um restaurante e, em vez de conversarem, cada qual está imerso nesse display
eletrônico. Um tipo de “catexia intelectiva” ou meramente um divertimento, ou
passatempo, passa certamente pela cabeça desses seres, ou realizam negócios, ou
o tempo não passa se não for através dos contatos que estabelecem ulteriormente
com os “outros”. Como se a máquina criasse vida, torna-se ela mesma um ego à
parte, ao mesmo tempo fruto do id, e do superego, posto vivência cotidiana do
dia a dia e motivação alterna do que se passa no mundo virtual com relação à
realidade tal como a conhecíamos desde então, esta, espaço-temporal,
tridimensional, sem a questão compulsória de sermos performáticos com relação a
estarmos sempre ativos e conectados.
Agora, com a realidade da Inteligência Artificial, novos
rumos já se avizinham no domínio da tecnologia, pois muitas novidades já estão
despontando, muitos trabalhos serão dispensados, e quiçá passemos por crises de
identidade profundas, pois será que nosso ego está preparado para pensarmos que
o nosso próprio meio cerebral estaria sendo posto à prova, na acepção de
entusiastas desse processo? Será que os robôs poderiam vir a ser ou fazer parte
de um tipo de tapa buracos de uma libido do ego, para virarem objetos da mesma
libido, com comportamento, mas com um botão de liga-desliga, para que o enfermo
lidasse melhor com uma realidade quase surreal no mundo que se avizinha? Objetos
que não envelhecem, que servem, que nos acompanhariam como figuras silenciosas
ou não, fazendo a nossa segurança, treinados para o amor, tudo isso já não é
mais coisa do passado, ou melhor, quiçá a figura do analista encontrará muito
mais doenças complexas para estudar nesse novo mundo que se avizinha...
Sabemos que por vezes um narcisista patológico gosta mais
de seus inventos do que de si mesmo, e do lucro e poder que deles pode obter. Quando
o céu é o limite, não haverá um gigantesco dono de um oligopólio que não tenha
um excesso de narcisismo, e uma megalomania até certo ponto justificada, como
igualmente ocorre em estadistas de países muito poderosos, ou aqueles que
tentam mudar a face econômica do planeta, e efetivamente causam nele
estremecimentos cabais. Até que ponto mereceria uma abordagem terapêutica para
que se voltasse a ser mais “humano” e não a criatura que se auto gerou?
Pois sim, narcisistas em pé de guerra, querendo testar o
poder que lhe conferiram pessoas que apostam em sua hegemonia, na velha questão
de nações e fronteiras, uma coisa que já deveria ter sido abandonada em princípio
como conceito no mínimo algo ilusório, mas o terapeuta deve sempre saber que
será dentro do imaginário que poderá tocar a ilusão, e que cada paciente
carrega em si seus códigos de conduta, explícitos no simbolismo da linguagem...
Destarte, uma coisa é principal: há quem sabe utilizar da
ferramenta tecnológica para seu próprio benefício, e não para alavancar metas
ou almejar poderes outros que não sejam apenas usá-las consonantemente com o
bem-estar de seu modo de viver a vida. Apenas isso, se for confortável a quem possa
ver que a inteligência quando bem utilizada, respeitando as modalidades
afetivas, a precedência do bom uso da lógica, e os recursos que se têm à mão,
podem tornar-se importante aliados em um tipo de estratégia não apenas para
fazer um bom uso de muita parafernália que aí está, mas justamente de enxugar
isso para o essencial do uso, e ir acompanhando a evolução tecnológica com a
lucidez necessária refreando o ego e tentando conter laivos narcísicos pelo
fato de se estar dominando sobremodo a matéria em questão...
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