Por
vezes todo um rancor que prevalece no paciente com relação ao terapeuta pode
estremecer o trabalho deste, mas na realidade pode igualmente permitir que este
saiba melhor sobre os ruídos existenciais que norteiam a vida da psique do
paciente, o que ele pensa a respeito do terapeuta e qual a natureza do citado
rancor. As origens de humores que são próprios da relação entre analisando e
analista vêm muitas vezes desde a primeira entrevista, vêm de certos
preconceitos, por exemplo, como se dispõe o analista, sua postura, sua
aparência, classe social, etnia, ou outros fatores externos que podem influir
negativamente no início mesmo dos trabalhos.
No
entanto, o terapeuta pode se fazer valer das inquietações mais profundas do
paciente, justamente quando este revele a ele, a partir do início dos
trabalhos, já influenciados pela primeira impressão e seus prejulgamentos, nas
relações intrínsecas do que acontece de verdade com a realidade inconsciente de
questões como traumas ou coisas que digam respeito à natureza mais íntima do
ser, porquanto entidade em mutação, porquanto diálogo constante consigo e com
seus entornos, mesmo porque muitas vezes o paciente trás de fora do consultório
toda uma carga emocional que não teve digerindo por vezes durante décadas a
fio.
Quando
a dobradinha resistência e transferência se transformam na transferência
negativa como um todo, o analista deve permitir que o paciente desenvolva suas
expressões mais profundas da psique, na forma da linguagem, nos chistes, nos
atos falhos, posturas, e etc, quando supostamente de qualquer modo seu
inconsciente deve estar em sintonia com o inconsciente do analisando.
Outrossim, essa aparente parafernália que consumiria uma terapia com o viés
mais tranquilo pode se tornar efetivamente melhor, mais equilibrada, à medida
em que o analista vai equalizando a neurose do paciente, de acordo com a
elucidação de seus problemas recorrentes, de forma a equilibrar a inquietação
do mesmo com o viés de sua intuição como psicanalista, a sua formação e a
sensibilidade de fazer um movimento em favor do paciente, a partir dos pontos
de negação, resistência e inquietações existenciais profundas em relação ao
próprio analista, à vida como um todo e toda a preocupação que o toca. Nessa
dialética consonante entre a resistência entremeada com a transferência, os
sentimentos algo de rancor no imediatismo das primeiras sessões, algo pode
mudar para uma transferência de viés mais positivo, abarcando uma sintonia entre
o analista e o paciente. É nessas horas que se forma o par analítico, quando
por vezes este é construído em questão de dias ou semanas...
Quando
a tempestuosa vertente da análise na relação inamistosa começa a ceder para que
o analista possa melhor aplicar seu trabalho e o analisando expressar mais
livremente seus pensamentos e conteúdos a serem interpretados, começa a fase
onde a associação livre de ideias já não sofre tanto com a questão da
resistência por parte do paciente, como nas primeiras sessões. É quando a trava
da expressão começa a ceder espaço a um fluxo mais contínuo do paciente, na
forma da linguagem, chistes e etc.
Quando
os fantasmas começam a surgir na mente do paciente, quando as coisas começam a
tornar forma, lembranças vêm à tona, este se situa em relação mais verdadeira
com o analista, tornando o trabalho proposto – por ambos – uma tarefa
exequível. A partir dessa abordagem as coisas tomam uma forma em que o vínculo
analista-analisando se torna mais concreto, e a pressuposição de que os traumas
do paciente brotem de seu inconsciente na forma da citada linguagem, ou
expressão verbal, sob a arguição e intuição do analista, a consistência do
tratamento vira a possibilidade dentro do escopo da realidade. Quando isso
ocorre, conforme cita Bion, o paciente já pode começar a pensar de forma mais
organizada, a ter clareza nas suas ideias e compreender a natureza mais
evidente de suas inquietações existenciais profundas, coisa que antes já não
tinha mais condições de fazê-lo sem a ajuda do profissional.
Em
síntese, a transferência negativa, que na aparência poderia até mesmo fazer o
paciente desistir do trabalho com o analista, vira uma espécie de vantagem,
onde este se faz valer de seus aspectos negativos, fazendo um movimento oposto
em direção à consecução de um trabalho que elucide paulatinamente o problema do
paciente, não apenas em relação a si mesmo, mas no alicerce ao revés que
depositara no analista, na forma de resistência, de tentar suportar
negativamente as perguntas e fazer da hostilidade um tipo de moeda de troca.
Assim sendo, o viés transformador e dialético do tratamento acaba tomando um
rumo de mais positividade, mais produtivo, mesmo que se saiba que a permanência
da transferência negativa e da ocorrência da resistência são coisas que vêm e
vão no decorrer do tratamento. A questão não seria mais apenas a competência
puramente profissional do analista, mas algo que transcenda um pouco esse lado,
ou seja, a intuição, a perspicácia e a sensibilidade que funciona como um tipo
de antena ligada diretamente na realidade do conteúdo inconsciente do
analisando.
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