sábado, 18 de janeiro de 2025

A CATEXIA DO DISPLAY


                Comprou-se e pronto, eis que fez-se a luz no smartphone. Carregador, fones, tela nova, tudo novo, a aquisição não seria indispensável se absolutamente quase todos os habitantes do planeta não tivessem que compulsoriamente possuir um, ao menos, um equipamento dessa Natureza, digital, uma porta, um modo autêntico de não ser diferente de ninguém... Há pais que adoram, pois as crianças não incomodam enquanto estão bem acompanhados com essa máquina! Estaremos tão de acordo quando Huxley em “As Portas da Percepção”, desde que não passem a perceber além disso, quiçá um brinquedo de plástico, ou o Piaget de outrora viesse com outras propostas... “Meu Deus!”, diria a mocinha mostrando para as colegas de escola: “Ele disse que me ama aqui no Whatsapp! Quer me encontrar amanhã, quando eu chegar a New York...” “Ah, sim... Veja direito quem é o carinha, se é mais velho do que você... Isso de dizer que tem menos de quarenta é meio estranho...”, diria outra mais cética. Mas o afeto é grande no display, inegavelmente...

                A grosso modo, há algo de novo no ar sempre, e parece que nada está mudando, por vezes há bloqueios que nos garantem a um outro e a nós mesmos, quando não estamos procedendo bem, mas haveremos de convir, a passagem do objeto se dará tão claramente quanto uma transferência libidinal quando nos absorvemos em rebater mensagens, o viés da comunicação, algo é maior do que supomos, quando o meio assume o objeto, quando o seguramos sem saber, sabendo que, no viés de uma ignorância imaginativa estaremos fazendo aquilo que porventura sabe mais a nós do que um “nada” possível. Aquilo de espera, o silêncio, mesmo que saibamos que tudo isso é inegavelmente um avanço tecnológico do qual nada há que não se permitir, mas apenas um uso desmesurado pode se tornar tanto uma mania quanto uma fobia... Como chegaríamos às vias de fato se, de fato, a catexia que há no objeto digital é um modo de fazermos frente à nossas inquietações, se apostamos alto, se sabemos que, do outro lado, esse alguém que recebe a mensagem sequer nos vê, e como faremos se porventura recebemos uma mensagem fabricada, em um envelopado fake, ou uma mentira “discretamente fabricada”?

                Vá lá, muitos e muitas saem para a “caçada”, tentando obter seus objetos do gozo, ou, se não o alcançam, as almas mais solitárias seguem para um site de relacionamentos, e aí a coisa passa pelo viés de mais uma catexia de um display, que tanto pode mostrar uma veracidade, mas no mais das vezes é maquiagem, tanto no homem quanto na mulher, e a decepção pode ser grande no grande momento do encontro presencial... Presencialmente ou não, e decepções à parte, resta-nos o display, sempre, ele “sempre estará lá...” O phone não nos abandona e, se nos abandonar, vendemos tudo até adquirir outro, pois absolutamente já não podemos mais viver sem a sua companhia.

                Temos tudo nesse display, tudo e nada, temos o que há de melhor e pior em nós, temos as desavenças, os apps diversos, fazemos nossos negócios, escusos ou não, somos honestos ou não, subversivos ou democratas, racistas ou tolerantes, ou mesmo somos mais sós enquanto não temos sequer um amigo em uma lista interminável de contatos... Quando nos damos conta de que há uma aura nada silenciosa de interesses no ar, que grande parte desses contatos tem algum interesse, ou que determinados golpes despontam em certos dias de pé errado, quando já acordados recebemos certos empuxos dessa Natureza, veremos que por vezes carregar o display por vezes se torna um fardo. Por vezes mudamos o número, por vezes somos presos e a justiça nos investiga tudo que conversamos, e sabemos que não adiantou termos trocado o número, pois contatos fundamentais teriam que continuar existindo... E aí, se vamos presos, esse objeto vale tanto quanto uma grande janela para a liberdade, e se somos suprimidos desse contato, de se ter a possibilidade nessa catexia objetal, não perfazemos sequer a ideia de que seja possível conciliar a pena com essa ausência, e o sofrimento passa a ser pior. Talvez seja como uma pulsão ou ideia afetiva da criança em estar brincando com o celular, e quando o professor a proíbe, ela por vezes, ou ao menos no início, vai se sentir meio órfã do objeto, como da ausência do seio materno, ou algo que lhe desse prazer. Não haveria substituto imediato, e a criança passa a estar afeita a algo que lhe causará imensos ruídos, e essa repressão fará com que ela interiorize o impulso afetivo para algo que lhe dê um substitutivo à altura, e será a função do professor que terá que vencer essa tremenda barreira e compor uma aula que se torne tão interessante quanto a falta do celular na vida desse ser humano.

Nenhum comentário:

Postar um comentário