Comprou-se
e pronto, eis que fez-se a luz no smartphone. Carregador, fones, tela nova,
tudo novo, a aquisição não seria indispensável se absolutamente quase todos os
habitantes do planeta não tivessem que compulsoriamente possuir um, ao menos,
um equipamento dessa Natureza, digital, uma porta, um modo autêntico de não ser
diferente de ninguém... Há pais que adoram, pois as crianças não incomodam
enquanto estão bem acompanhados com essa máquina! Estaremos tão de acordo
quando Huxley em “As Portas da Percepção”, desde que não passem a perceber além
disso, quiçá um brinquedo de plástico, ou o Piaget de outrora viesse com outras
propostas... “Meu Deus!”, diria a mocinha mostrando para as colegas de escola: “Ele
disse que me ama aqui no Whatsapp! Quer me encontrar amanhã, quando eu chegar a
New York...” “Ah, sim... Veja direito quem é o carinha, se é mais velho do que
você... Isso de dizer que tem menos de quarenta é meio estranho...”, diria outra mais
cética. Mas o afeto é grande no display, inegavelmente...
A
grosso modo, há algo de novo no ar sempre, e parece que nada está mudando, por
vezes há bloqueios que nos garantem a um outro e a nós mesmos, quando não
estamos procedendo bem, mas haveremos de convir, a passagem do objeto se dará
tão claramente quanto uma transferência libidinal quando nos absorvemos em
rebater mensagens, o viés da comunicação, algo é maior do que supomos, quando o
meio assume o objeto, quando o seguramos sem saber, sabendo que, no viés de uma
ignorância imaginativa estaremos fazendo aquilo que porventura sabe mais a nós
do que um “nada” possível. Aquilo de espera, o silêncio, mesmo que saibamos que
tudo isso é inegavelmente um avanço tecnológico do qual nada há que não se
permitir, mas apenas um uso desmesurado pode se tornar tanto uma mania quanto
uma fobia... Como chegaríamos às vias de fato se, de fato, a catexia que há no
objeto digital é um modo de fazermos frente à nossas inquietações, se apostamos
alto, se sabemos que, do outro lado, esse alguém que recebe a mensagem sequer
nos vê, e como faremos se porventura recebemos uma mensagem fabricada, em um
envelopado fake, ou uma mentira “discretamente fabricada”?
Vá lá,
muitos e muitas saem para a “caçada”, tentando obter seus objetos do gozo, ou,
se não o alcançam, as almas mais solitárias seguem para um site de
relacionamentos, e aí a coisa passa pelo viés de mais uma catexia de um
display, que tanto pode mostrar uma veracidade, mas no mais das vezes é
maquiagem, tanto no homem quanto na mulher, e a decepção pode ser grande no grande momento do encontro presencial...
Presencialmente ou não, e decepções à parte, resta-nos o display, sempre, ele “sempre
estará lá...” O phone não nos abandona e, se nos abandonar, vendemos tudo até
adquirir outro, pois absolutamente já não podemos mais viver sem a sua
companhia.
Temos
tudo nesse display, tudo e nada, temos o que há de melhor e pior em nós, temos as
desavenças, os apps diversos, fazemos nossos negócios, escusos ou não, somos
honestos ou não, subversivos ou democratas, racistas ou tolerantes, ou mesmo
somos mais sós enquanto não temos sequer um amigo em uma lista interminável de
contatos... Quando nos damos conta de que há uma aura nada silenciosa de
interesses no ar, que grande parte desses contatos tem algum interesse, ou que
determinados golpes despontam em certos dias de pé errado, quando já acordados
recebemos certos empuxos dessa Natureza, veremos que por vezes carregar o
display por vezes se torna um fardo. Por vezes mudamos o número, por vezes
somos presos e a justiça nos investiga tudo que conversamos, e sabemos que não
adiantou termos trocado o número, pois contatos fundamentais teriam que
continuar existindo... E aí, se vamos presos, esse objeto vale tanto quanto uma
grande janela para a liberdade, e se somos suprimidos desse contato, de se ter
a possibilidade nessa catexia objetal, não perfazemos sequer a ideia de que
seja possível conciliar a pena com essa ausência, e o sofrimento passa a ser
pior. Talvez seja como uma pulsão ou ideia afetiva da criança em estar
brincando com o celular, e quando o professor a proíbe, ela por vezes, ou ao
menos no início, vai se sentir meio órfã do objeto, como da ausência do seio materno, ou
algo que lhe desse prazer. Não haveria substituto imediato, e a criança passa a
estar afeita a algo que lhe causará imensos ruídos, e essa repressão fará com
que ela interiorize o impulso afetivo para algo que lhe dê um substitutivo à
altura, e será a função do professor que terá que vencer essa tremenda barreira
e compor uma aula que se torne tão interessante quanto a falta do celular na
vida desse ser humano.
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