segunda-feira, 12 de agosto de 2024

A PRIMEIRA TÓPICA E O HOMEM MODERNO

 

       O discurso freudiano seria quiçá tão moderno quanto o tempo, e abraçaria o homem tal qual fosse a sua inquietação primeira, o dilema que o acompanha, a circunstância de seus atos, e seu viver na era do tempo em que a primeira tópica que Freud elaborou em seus estudos, aos dias atuais, e a posteriori… Configura, na ciência da psicanálise, a descoberta mais investigativa do inconsciente, não daquilo apenas que estaria fora do consciente, mas o que poderia supor ser revelado por sessões de terapia, onde primeiramente a sugestão hipnótica com Charcot, depois as catarses com Breuer, a se ter um desfecho magistral, utilizado até hoje nas sessões: a livre associação, onde até mesmo os sonhos são revelados pela linguagem do verbo, e sugerem imagens, sons e símbolos.

       Afora a imensa fonte da psique ser o inconsciente, o “não sabido” em alemão, existe, na outra ponta, um consciente meio que ávido por desvelar seus caminhos para irromper em curas, em uma forma de demanda onde o analisando – paciente – chega com suas angústias existenciais, nas entrevistas preliminares, sua neurose, sua psicose, quando se for o caso, ou outras patologias descritas por traumas que surgiram na história de sua vida. E que o recalque guarda no inconsciente, essa entidade gigante do ser que não tem uma temporalidade definida, que pressupõe mistério, alcance quase ilimitado, profunda fonte qual o iceberg oculto, massa que emerge no consciente e deduz a vida do paciente frente a experiência de um bom profissional, aquele que possui a empatia necessária, este sujeito-suposto-saber de Lacan, nada autoritário, posto que a citada demanda do analisando é o amor.

       Das pulsões negadas pela repressão exterior, ou pela negação do superego, qual construtor por vezes às avessas, em sociedades com margens de exclusão, quando racistas, sexistas, misógenas, ou outras questões influenciadoras da vivência mais normal, ou em épocas de conflitos étnicos ou econômicos, os traumas surgem de maneira mais evidente, posto na era contemporânea o homem moderno seja tudo o que é, mas com o isolamento reflexo onde a tecnologia seria quase o alter ego de sua vida, um tipo de rebatimento afetivo que muitas vezes o tolhe, e a mesma sublimação que seria tão positiva para o homem moderno, por vezes se torna seu último recurso existencial, tal a falta de coragem em que muitos encaram o mundo, este, em sua “modernidade”, se utilizando de vias de poder sobre os outros, e usando meios de repressão, de modo quase inconsequente. O recalque, a fuga, o álcool, as drogas, tudo depõe contra a normalidade do homem contemporâneo, neste admirável mundo novo das novidades e da ganância desmedida, onde se existe em suma, em seus mais pulsares de vida, quando se possui algo para viver, e verdadeiras hordas de desfavorecidos depositam suas esperanças apenas no último gole da cachaça…

       E surge um tipo de pré-consciente às avessas, traduzido pela ferramenta digital, aquilo que pensa por nós, uma inteligência alterna, artificial, que trabalha por nós e faz as vezes de nossa super-consciência. Quiçá o que Freud desconhecesse em seu tratado breve: “O Mal Estar da Civilização” seria o porvir de uma sociedade dinamitada por inquietações reflexas e o andamento do consciente como válvula de escape produtivo no modo como as pessoas se relacionam com o mundo, e como a falta do trabalho pode angustiar e traumatizar a vida de milhares de pessoas, quando a linha da miséria se escala de tal modo que verdadeiras guerras ocultas, ou não, ocorrem para que prevaleçam pensamentos totalitaristas no planeta…

       Essa primeira tópica de Freud, traduzida pelo Inconsciente, o Pré-consciente e o Consciente, depois revista para a segunda tópica anos mais tarde: o Id, o Ego e o Superego, verdadeiramente embasa a questão do surgimento da psicanálise justamente para uma investigação mais séria da razão que motivou esse grande pensador e médico, que foi a descoberta do próprio Inconsciente e seus modos de liberar os traumas que o próprio mundo e suas descobertas, seus paradigmas e seus desafios, colocam na disposição de estudos a posteriori a seriedade com que se abordarão quiçá temas tão complexos quanto a descoberta do homem por ele mesmo…

       Quiçá tenhamos nos meios acadêmicos e na medicina como um todo a compreensão de que toda a mítica que encerra a natureza humana, a natureza que o cerca, e a natureza espiritual como algo que faz parte do todo mais complexo que amalgama a Terra, nos faça crer que as desavenças que tanto têm abraçado os seres humanos ponham seus findares no desfecho em que caminhemos para uma paz segura, com a certeza de que homens e mulheres se irmanem, que a hierarquia que sequer porventura nos expõem certos paradigmas de poder nos venham a ensinar pelos erros que tudo seria mais simples se descobríssemos a atualidade da primeira tópica freudiana, e como ela ainda é muito certeira na era de transformações que estamos vivendo. Posto que, ao menos ao olhar da ciência, a questão pode ser mais simples, quando aceitarmos que, mesmo sendo um pouco agnóstico em relação ao animismo espiritual, Freud não veio ao mundo disposto a exercer algo apenas de ensinar que muito do que somos, ou quase a nossa totalidade, estaria disposto em nosso inconsciente, mas sim, a prova inequívoca de seu incontestável saber.

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