sexta-feira, 28 de julho de 2023

A BUSCA DE SALUSTIANO


                Deveria ser um dia como outro qualquer, mas por dentro de si Salustiano não encontrava muito sequer de um pensar, sabia ser dura a vida, mas não encontrava realmente, não parecia querer existir, possuía a inquietação ímpar já deveras, não propriamente naqueles dias apenas... Saía de um ostracismo, buscava um trabalho, viera do Norte, e para trabalhar nos lugares do Sul, sabia de sua situação incompleta, dos seus estudos que lhe faltavam, viera para tentar os estudos esses mesmos, mas a recepção não fora das melhores, nesse algo do sotaque, nesse choque cultural, algo de situações inusitadas, o Sul era dos lugares mais sui generis que encontrava pela sua frente, e tudo, a situação, diziam que o governo, bem, mal sabia ele que havia um governo, mas tudo lhe parecia nublado, e sua existência vertia para não se situar bem, buscando, e buscando, quem sabe, as economias de mais um dia: sangravam...

                Esses homens, Salustiano sabia existirem esses homens, e mal sabia desses homens que havia lhe falado, quando saíra de Belém, conseguira vir de caminhão, bem ou mal, existia chão no país, esse chão que vira, de se tentar, o Sul que era-lhe em tese tão caro para a cachola: um detalhe das mulheres, tão lindas, mas com uma frieza estranha, que também não viera para arrumar um rabo de saia, posto sem dinheiro não conseguiria para o de comer, e suas economias, sangravam mais e mais, como um óleo na troca, quando se esvazia para se trocar, precisava um pouco, e sabia trabalhar no que desse, e preferia evitar um pouco a bebida, o que fosse, mas não era fácil: teria que encontrar nos bares seus primeiros conhecimentos, era a porta de entrada naqueles ermos, conseguira onde ficar, mas o quarto era apertado, a cama era daquela quase alvenaria lisa, o tijolo de aparência crua, não possuía o conforto de que dispunha em Belém, o clima, pois sim, não seria fácil, logo vira... Nada era fácil, o Norte passava por mudanças, havia o garimpo, tentara ser de bateira, os rios, o Madeira, o Xingú, meio que estava por lá antes, e agora o Sul, já tão distante que não encontraria como voltar mais, deveria tentar por lá, por não saber sequer se saberiam de sua realidade, ou se verteriam a preocupação que porventura houvessem de ter algum no interesse. Haveria de se ter estudado mais um pouco, mas Irineu, que conhecera na padaria próxima ao barraco, lhe falara de uma possibilidade em uma obra, nas imediações... Que lesse na placa, no muro de concreto pintado de azul, próximo de uma casa alta, com gradil, que pontuava em cima por uma guarita, a região era mais cara, era uma obra não muito grande, assim lhe falara o seu conhecido, homem atarracado que conhecera, que viera de Fortaleza, mas estava bem situado, era um paramédico e conhecia bem a região e, acessível que fora, lhe auxiliara, ao menos, informando que não estava tão ruim assim, que o Sul também estava de construções e arremedos.

                Parecia, naquele dia onde seu humor não estava bem que o sol lhe brilhara, chegara no muro azul, existia uma sineta, um tipo de campainha, falou com a zeladoria, acertou pagos, começaria naquela tarde, e passaria a morar dentro da obra, a bebida não era permitida, roupa de cama limpa, nada de catres sujos, boa cama de solteiro, não se permitia a entrada de mulheres fora das acomodações dos homens, se separava a coisa, e a obra era maior do que pensava, era das novas casas do Governo Federal, dentro do Estado, com financiamento, mas sua função seria entrar para o estágio inicial, já tratando de valores, e começava então, tomara de um bom café oferecido, o clima amistoso, pronto, terminava a busca, a simples busca, não seria bem uma busca espiritual ou existencial, mas dentro do pragmatismo de se procurar seu ganha pão... A sorte de conhecer Irineu, virava um bom contato, compraria um celular, por enquanto só no cartão. Bom, batera seu primeiro ponto, e mais um dia na vida de Salustiano, com um breve detalhe, se entrasse embriagado vez ou outra não trabalharia mais, pois as regras eram essas e a coisa funcionava desse modo, o alojamento não permitia nada de intercorrências e nem de diferenças afins dessa natureza. Natural que vez ou outra prenunciava alguma inquietação, mas nos primeiros parágrafos de Salustiano, outrora meio confusos, encontrava agora a concisão da liberdade de estar em ofício, em um trabalho que lhe parecera bom e saudável, acabara, portanto sua busca, inaudita, no cansaço das viagens do Norte, cruzando quase um continente e achando no Sul que porventura estranhara, paradoxalmente, mais reparos do que no Norte que deixara, ao menos por enquanto.

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