domingo, 26 de maio de 2024

O ICEBERG QUE NÃO VEMOS NA TEMPESTADE


               Não que na verdade não sonhássemos por coisas melhores no mundo, mas no mundo da psique os sonhos não são da vontade, somos abraçados por eles, e por vezes sequer ou aparentemente temos sonhado, quiçá por anuência de algum tipo de medicamento, quiçá o conhecimento biomolecular seja hoje uma esfera do conhecimento que retorna as luzes da ciência ao escopo da realidade, em seus princípios mais elementares, tornando o princípio de prazer algo que venha a dar o estofo quando alcançamos o insight de estarmos conhecendo mais e mais sobre essa montanha submersa que se chama inconsciente, qual imenso iceberg onde o nosso navio não pode atracar, em um si mesmo em que não possuímos sequer a consciência cabal desse fato...

               Falar sobre isso sem pestanejar seria como escrever à la James Joyce no seu “Ulisses”, como deflagrar uma guerra interna de palavras, como esboçar uma carência afetiva, como estar se postando na vida como um quixotesco cavaleiro, sem ter ao menos por vezes a chance de tergiversar com Sancho Pança, que faria as vezes de um bom analista ou confidente de nossos sentires mais secretos. Essa rocha em oceanos de trasbordos, muitas vezes de desditas, não seria algo maior do que o mesmo tempo em que um terapeuta estaria recolhendo, garimpando as pepitas dentro do universo perdido nas entranhas do oceano? Essa inquietação um estudante de psicanálise deve carregar e deve buscar sempre, ao compasso mesmo da dúvida, ao setor de entregas da fala livre, e que supostamente uma mulher fale mais ao companheiro de suas indignações perante muitas coisas e dos erros do mesmo companheiro, posto em um casal podemos ter analista e analisando, mesmo que para isso fôramos compulsoriamente mais horizontais no trato, e mais médicos no suposto viés da equanimidade e da transparência existencial.

               No jargão infantil, por vezes a existência do iceberg, quando finalmente a criança aprende sobre isso, tem ou adquire o conhecimento do que vem a ser uma montanha de gelo onde sua maior parte está submersa, ainda talvez não veja a metáfora que encerra essa questão, mas o conceito estará plantado para que, depois de algum tempo vai utilizar esse mesmo conceito para algo, no que esse rochedo imenso de gelo, e sua parte oculta virá na forma do imaginário, talvez no filme Titanic, como ocorreu o desastre, e o que vem a ser a força da natureza, suas montanhas, seus modos quase selvagens, como na forma em que o gelo rasgara o casco de aço de um navio como o citado, sem que isso não fosse tão fácil quando romper um pequeno pedaço de papel. Do mesmo modo, talvez quando alguém teça um contato com a natureza da psique humana tenha condições de mensurar a importância do que seja a dimensão do inconsciente, do superego, e mesmo da parte submersa do ego, mesmo sabendo-se que este intermedia e faz a interlocução praticamente diplomática entre os conteúdos mais primários do id, e o balizamento do superego, seu arcabouço de controle, fazendo um necessário equilíbrio entre essas questões, e tudo tão maravilhoso que faz parte da mente humana, e mais, uma descoberta de um homem chamado Freud, ou seja, um senhor médico que abre espaço para uma descoberta tão revolucionária para a ciência que muitos hoje certamente tem verdadeira paixão pela área acadêmica em questão.

               No viés do entendimento desses tipos de estudos, abrem-se as frentes para um conhecimento praticamente médico, um conhecimento que vai além das fronteiras mesmas da medicina e sua alopatia, posto dinâmico e progressivo no sentido de tentar erradicar ou tratar melhor as neuroses, e creem talvez próceres mais iluminados sob essa ótica que sói melhorarem enormemente as questões de patologias mais graves como a psicose ou a esquizofrenia, por enquanto com a questão medicamentosa, o que também é uma grande conquista da medicina, pois as drogas psiquiátricas evoluem na medida em que as pesquisas trazem resultados cada vez melhores e mais amplos nesse sentido.

               Quiçá para a saúde mental a vida não seria a mesma se Freud não tivesse existido, e todos os seus estudos, toda a sua prática clínica, e certamente não seria a mesma... Do que temos visto, a conquista inerente ao combate das dependências químicas das drogas e do álcool, as clínicas de recuperação, as conquistas de uma medicina mais acessível no controle e na desintoxicação, o surgimento de novas modalidades terapêuticas, tem tornado o acesso ao grande iceberg de nós mesmos uma problemática social recorrente, como se outros icebergs fizessem parte do panorama social, onde muitas vezes o desemprego, a desesperança, o desencontro afetivo, a solidão, levam as gentes a terem crises existenciais profundas, e essa frustração demonstra objetivamente o surgimento de mais e mais sintomas psicossociais na esfera social, coletiva ou individualmente, e a prática da medicina nesse campo se torna mais e mais necessária, posto será tratando o problema, muitas vezes nas suas raízes e de forma preventiva que os seres humanos como um todo tendem a encontrar maiores ressonâncias da normalidade, quando a questão do oculto se torna reveladora e desfaz traumas recorrentes, sob a batuta de um bom clínico na área.

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